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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Doce Luz

Minha esposa e eu temos um filho que morreu antes de ver a luz.

O aborto foi natural, em função de triploidia. Seres humanos concebidos com triploidia (três conjuntos de cromossomos somando 69 ao invés dos dois naturais conjuntos totalizando 46 cromossomos) raramente vêem a luz, sendo que a maioria morre antes de estar completo o terceiro mês de gravidez.

Quando soubemos de sua morte, minha esposa e eu choramos e, em meio a nossa dor, falamos: “um pedacinho de nossa herança genética já está com Deus”. Eu escrevi um texto na época também intitulado “Doce Luz”, nome que demos para nosso filho. Depois disto cultivamos o costume de invocar nossa Doce Luz quando rezávamos.

Tivemos inclusive um momento em que nossa filha mais velha nos cobrou a conservação da memória da Doce Luz.

Mas até agora eu não tinha noção do que realmente havia ocorrido.

Do ponto de vista médico-científico, a vida da Doce Luz era inviável, assim como outras deficiências genéticas ou de formação, como os chamados anencéfalos, por exemplo.

Mesmo assim... mesmo assim a nossa Doce Luz recebeu de Deus o chamado à existência e à vida!

Nós, seres humanos, por amor, recebemos do próprio Deus o chamado à existência. E é neste chamado que fundamenta-se nossa dignidade de filhos: somos chamados à plenitude, somos constituídos à imagem e semelhança de Deus. E somos plenos já a partir de nossa concepção como seres humanos.

Somente isto para nós, minha esposa e eu, é suficiente para respeitarmos em profundidade o mistério da concepção de uma nova vida e também a nossa relação como casal que recebeu de Deus o grande dom e a missão incomparável de sermos pai e mãe. É suficiente para respeitarmos cada gravidez iniciada, seja qual for a situação em que ela se deu.

Sim, devemos profundo respeito por cada vida concebida porque este ser humano é único e distinto, chamado à integralidade do ser homem ou mulher, filho querido e desejado por Deus, nosso criador.

Nossa Doce Luz, mesmo em sua imperfeição humana (e quem não é imperfeito?!), recebeu de Deus seu chamado e é amado por Deus e agora está em Deus com toda sua dignidade e integralidade de ser humano!

E hoje temos plena certeza disto na vida de nossa segunda filha.

Enquanto ela esteve na UTI em dezembro de 2012, em função de Estado de Mal Epilético, dificílimo de controlar pelos médicos (seu diagnóstico é de Síndrome de Angelman), nós, seus pais, pedimos a intercessão da Doce Luz, que já está em Deus.

E vimos sua manifestação diária no processo de recuperação da sua irmã. Vimos em pequenos momentos, suficientes para termos certeza de sua existência em Deus.

No meu desespero enquanto minha filha tinha uma crise de saturação, eu pedi a manifestação da Doce Luz e no mesmo momento fui atendido.

Enquanto minha filha estava paralisada, eu pedi um sinal e ela se mexeu.

E é importante dizer, não para questionar a fé na intercessão dos Santos, mas sim para entender a vontade de Deus, que antes de pedir a manifestação da Doce Luz pedimos a intervenção de Nossa Senhora, rezamos novenas a Santos protetores, entregamos a Ane à Nossa Senhora de Guadalupe, mas somente fomos atendidos por Deus quando pedimos a manifestação da Doce Luz.

Vimos nisto a vontade de Deus, vontade de nos provar que nosso filho está vivo nele. Vontade de nos dizer: testemunhem isto, especialmente agora que assumimos a responsabilidade de ajudar na construção o tema “Vida” em nossa Arquidiocese de Curitiba (Angela e eu recebemos no início de dezembro de 2012 a missão de sermos o casal coordenador da Comissão pela Vida de nossa diocese).

Nossa Doce Luz está vivo, intercedendo junto a Deus por nós, seus pais e irmãs! E nossa Ane está agora recuperada!

Nossa Doce Luz é um ser humano vivo e atuante, presente e especial, uma predileção de Deus para nós! E agradecemos em verdade a Deus, louvando-o e bendizendo o que Ele realiza em nossa vida!

Doce Luz, rogai por nós, filho!

Paulo Cesar Starke Junior